Um pacto pela primeira infância

 

Um pacto pela primeira infância


Setembro/2023 - Auditório do STF

(Porque assinamos o pacto)

Quando o tempo é curto, faz-se necessário se ater as desculpas por descumprir protocolos e aos agradecimentos.

As desculpas são para as infâncias que não conseguimos resgatar, as que ignoramos todos os dias, ou, fazemos de conta que não vemos. Minhas desculpas a todas as infâncias pertencentes aos povos originários, as infâncias brutalizadas e mortas, pelas balas perdidas, pelos embargos econômicos, infâncias julgadas/condenadas já no ventre de suas mães, pela cor, pela raça ou pela etnia ou por religião. Infâncias condenadas pela nossa omissão – antes infâncias, hoje, praticantes do adulto centrismo.

Nos desculpem por não ter conseguido chegar a tempo de impedir o negacionismo das vacinas. Vacinas que salvam vidas.

Mil perdões as infâncias roubadas, pela fome, pelas guerras, pelo Barô Mudaripen (Porrajmos, Samudaripen - Holokausto romani), e pela pior de todas: a ignorância.

As infâncias crescidas que hoje estão aqui, preciso agradecer a Ivania Ghesti e a Maristela Cizeski. É preciso trazer a memória da Dra Zilda Arns e da Maylê Dona Fia. Nosso papel hoje aqui, não é o de fixar o nosso nome em letras bordadas para a posteridade, mas de proferir os nomes de infâncias invisibilizadas pelo poder econômico, pela desigualdade, pelo racismo estrutural e pelo anticiganismo e a romafobia. Essas infâncias precisam ser detentoras de um direito indivisível – esse é o nosso papel aqui hoje.

Infâncias indígenas; infâncias quilombolas; infâncias de povos e comunidades de terreiro/povos e comunidades de matriz africana; infâncias ciganas/romani; pescadores artesanais; extrativistas; extrativistas costeiros e marinhos; caiçaras; faxinalenses; benzedeiros; ilhéus; raizeiros; geraizeiros; caatingueiros; vazanteiros; veredeiros; apanhadores de flores sempre vivas; infâncias pantaneiras; morroquianas; infâncias do povo pomerano; catadores de mangaba; quebradeiras de coco babaçu; retireiros do Araguaia; comunidades de fundos e fechos de pasto; infâncias ribeirinhos; cipozeiros; andirobeiros; infâncias caboclas.

A lembrar as infâncias de Buraco e as infâncias de cemitério – que nascem e crescem nesses lugares que chamam de lar e que já estão na sua terceira ou quarta geração.

Um pacto para não se comprometer com o aculturamento. Se cultura é móvel, pode e deve ser vista assim, precisamos perceber que as lutas não são iguais. São distintas e precisam ser assim, precisam ser dispostas dessa forma, porque nada que é copiado é original e representa a todos e todas da mesma forma.

Se seguirmos o cordão umbilical, poderemos perceber de forma mais clara o que estamos dizendo aqui. Cada mulher que dá à luz a um filho, percebe bem a diferença que existe entre elas. Do atendimento prestado, da informação obtida, da consciência feita e posta. De como você é tratada ao estar bem-vestida. De como você acessa as informações e de como você e sua rede próxima (ou não), se coloca nesse ambiente. A que horas o cansaço chega e a que horas ele se vai (se de fato vai).

Do quanto você se alimenta e de como as necessidades diárias recebem atenção e prática. Sabemos pelo “Cordão”, inúmeras coisas e desprezamos essa sequência, entretanto é ela que dá segmento aos dias. Não se separa a mulher da sua cria. Essa base precisa semear os dados e precisa dar força as pesquisas. Achismo e número mágico não é pesquisa. Direito não é favor e justiça não pode ser a única via de resolução. Há o direito a existência, o direito de existir. O equilíbrio da balança deve começar em como essa mulher ganha sua criança, em como concebe e de que forma pensa sobre isso. Qual o legado genético ela traz e qual o legado emocional de tudo isso. Qual o arcabouço social, patrimonial, cultural vem para compor essa balança?

Pensar nessas questões são questões primordiais e devem de fato fazer parte do entendimento de quem compreende a luta contra as inúmeras formas e mecanismos que a desigualdade e o racismo se apresentam. Incluso o anticiganismo, a rromafobia e correlatas.

Pensar a humanização dos processos nos traz caminhos mais amplos, sem amarras e sem sequelas. Como construí-los? Depende de como e de que forma pode-se ajustar essas questões.

“Amare tsinorren, lê tsinorren avrengue Thai vi lê tsinorre khanikaske, si sa amare"

Nais tuke a cada um presente aqui e nais tumengue a todos.