2022
Há um certo encantamento no ar. Mais
precisamente no dia 05 de janeiro de 2009 nascia a pessoa jurídica a quem
carinhosamente chamamos de Maylê Sara Kalí – sigla AMSK/Brasil.
A cada ano acabamos recordando
algumas situações com as quais tivemos de aprender a lidar e hoje elas fazem
muito sentido. O encantamento fica por conta das lembranças que nos trazem
aconchego e senso de luta, de história e de respeito.
A rosa da Maylê, o “S” de
Sara e o círculo que envolve tudo isso, sempre fizeram muito sentido para todas
nós e a cada ano eles se solidificam. Assim como os números dessa jornada. Foram
mais de 7 missões internacionais, incontáveis abraços e viagens, escutas e
congressos, muitos materiais produzidos, muitas revisões também (não somos
infalíveis), webinários, construções de protocolos, portarias, ofícios, algumas
despedidas ... reconhecimento nacional, público e internacional do nosso
trabalho.
A “Rosa da Maylê” é azul e
representa as mulheres fortes que foram e são a base da organização:
- Jamais
te esquecerei e tudo isso é simples. As flores azuis são raras e a rosa azul
precisa ser construída. São símbolos e contos que permeiam os miosótis azuis e
o caráter de Sara: amiga e companheira, leal e distinta dos demais;
- O
“S” de Sara Kalí – a mulher de pele amendoada, aquela que aponta o caminho,
garante a passagem, o alimento e a escuta;
- O
“Círculo”: movimento contínuo, que anda e faz girar. O caminho que segue, a
roda.
Quando chegamos as portas de um
ano no mínimo desafiador, temos que nos alimentar desses 3 pilares que serão
testados em 2022. Não nos esquecermos uns dos outros, enquanto mulheres,
pessoas e seres humanos, seguir construindo caminhos possíveis de diálogo,
negociação de conflitos, possibilidades e ajudas em rede, além de deixar claro
que caminhar significa respeitar o passado, construir o presente e ter os olhos
para o futuro. É claro o entendimento de que anos a fio na discussão de querelas
sem fim, desrespeito e estereótipos, causou danos de dimensões inimagináveis e
que algumas delas permeiam inclusive gabinetes e órgãos oficiais.
Essa agenda de contornos mais
arrojados, com bolsas de estudo, formação continuada, escuta qualificada e mesas
de debates, nos impõe um olhar mais crítico, sem perder a acolhida. A tentativa
de nos impor um ritmo, próprio das academias, de movimentos sociais diversos e
de inúmeros outros “pré-requisitos”, trouxe a figuração dos chamados “ciganos
verdadeiros”, recheados de supostas tradições que não se alicerçam nem nos
livros e pesquisas, nem nas figuras quase grotescas de um Brasil misógino, machista,
preconceituoso e racista.
Não há mundo paralelo do “Foro” que
tenta impor a educação para fora da vida das meninas e mulheres, que repudia as
novas agendas mundiais e que se nega a enxergar o que está posto. Uma
globalização às avessas. Não mais na ideia
central do místico, sob o véu de uma suposta cultura forjada no desconhecimento
de si mesmo, muitos, no mundo todo, estão dizendo não ao retrocesso e ao
aculturamento e esse novo olhar precisa ser acolhido e rápido.
O ano 2022 vai exigir de todas e
todos nós um outro olhar sobre essa nação transnacional, sobre seu efeito
perturbador e com “ares de normalidade”. Vai exigir que tenhamos a coragem de
discutir sobre saúde mental, drogatização, mídia social, trabalho e renda,
violência de gênero e rromafobia. É preciso parar de repetir livros e conceitos,
e ousar avançar, sair do quadrado e impor os contornos dos quais não poderemos
mais fugir. Temos de seguir andando e a melhor forma de fazer isso é nos
juntando.
O ano 2021 terminou com três tragédias
significativas, uma na República Tcheca - Stanislav Tomáš, relembre
aqui http://amskblog.blogspot.com/2021/06/nota-publica-vidasromanyimportam.html ou a
execução de Moraes de 13 anos no Brasil, morto a tiros em meio a familiares
numa farmácia no centro de Vitória da Conquista - BA http://amskblog.blogspot.com/2021/07/comunicado-publico-vidasromanyimportam.html -
#VidasRomanyImportam e em 17 de novembro, Olga de 8 anos, fica 70’ sendo
esmagada por um portão de fábrica, até a sua morte, sob os olhos desumanos dos
funcionários - https://www.keeptalkinggreece.com/2021/11/26/roma-girl-olga-crashed-factory-door/ . Foi
também o ano em que mais sofremos com o descaso do Estado, e as mortes por COVID-19
se multiplicaram. Sem ajuda, sem política e comida.
2022 começou com os desastres naturais
e o forte impacto na saúde mental de tantos. Precisamos falar do luto e da
depressão.
2022 também será o ano de sufocamento
para as organizações da sociedade civil. Ano de eleição e de maquiar uma
realidade que se aprofunda cada vez mais na falta de dados (atrás de cada
número existe uma pessoa) e das maquiagens em programas onde a “família e a
igreja” assumem a responsabilidade do Estado. Podem chamar de estado mínimo ou
necropolítica mesmo.
A violência vai ampliar e isso não é
um presságio ou algo místico, dito por mulheres bruxas ou “ciganas”. Isso é
real. Nada contra o sexto sentido, muito pelo contrário, bem usado, ele nos
ajudou a considerar nossos anos de experiência e transformá-los em possibilidades.
Temos de levar em conta a violência
produzida pela mídia, alimentada e posta sucessivamente em prova. Mensagens em
série prevendo catástrofes, chips de vacina, mudanças genéticas e até a extinção
da humanidade são fáceis de encontrar, a isso damos o nome de exclusão digital.
No caso do Povo Romani essa provavelmente seria a maior representação do
cotidiano e da violência normatizada. É senso comum e isso é no mínimo perigoso,
violento, desrespeitoso e desumano. Não há punição, não há regra e não há senso
a ser seguido. Toda a forma de violência é permitida nesse caso e justificada
também. Nada disso sumirá como em passe de mágica. Teremos um ano de eleição em
meio a uma multidão de famintos por comida, trabalho, saúde ou simplesmente por
respeito a vida.
Dias como o de hoje para nós, nos dá a
dimensão das lembranças, das expectativas e nos faz avaliar contextos e
surpresas. Que venham mais 13 anos. Que cheguem trazendo irmãos distantes,
amigos cansados, sobrinhos novos.
O mais gratificante dessa jornada é
constatar que a “Maylê” está na primeira referência de todos aqueles que tem
caminhado conosco. Maylê é casa, lugar seguro, abraço apertado e acima de tudo,
é leal aos seus princípios. Somos mais que AMSK/Brasil, somos Maylê, onde quer
que estejamos, onde quer que os caminhos nos levarem.
Aos parceir@s, amig@s e membr@s da
AMSK/Brasil, com gratidão e respeito, obrigada pela caminhada.
05 de janeiro de 2022
Ass. as fundadoras da AMSK/Brasil