O ano é 2020 e mais um
16 de maio se apresenta, igual na sua relevância e na necessidade de recontar
partes da história, mas, diferente nas nuances e nas adversidade de uma
pandemia, de uma guerra mundial contra um vírus e do difícil enfrentamento
diante do avanço da extrema direita no Brasil.
O ano era 1944 e o dia
16 de maio foi fundido e solidificado com paus, pedras, pães, murros e chutes.
Não tinha como vencer naquela época, tanto é que nos dia 2 e 3 de agosto, a
solução final para os Rrom e Sinti foi posta à prova e apesar de uma
enfraquecida resistência, as câmeras de gás fizeram seu papel e cumpriram a
agenda de extermínio proposta pelo Nazismo.
O ocorrido teve
endereço registrado: “seção de acampamento B II e de Auschwitz-Birkenau”
e relatos dão conta dos gritos e das brigas e do horror.
Feche e olhos e se dará
conta do que foi mais de 2.900 pessoas lutando contra o poderio da época, entre
homens, mulheres e crianças...não é discurso, não folclore é real. É preciso lembrar da
luta por um estado nação digno e da política de extermínio que abraçou a
superioridade de uma parcela dominante em detrimento de todos e todas que
fossem diferentes.
Entretanto duas
questões passam ao largo na maioria das análises sobre a data e que é
exatamente isso que vem mudando o cenário em vários países. As mulheres tem
feito esse resgate, até porque o protagonismo da agenda tem se acentuado. Como
foi e é importante a educação como mola para acender direitos e consciências. A
segunda é a triste semelhança distorcida da realidade e dos posicionamentos
atuais e aqui ficamos apenas com o Brasil.
Da foto tão conhecida
não se percebe o corpo e a altivez feminina. Não é uma senhora da justiça e nem
tão pouco a alusão a alguma figura mística. É de fato uma mulher, altiva, de
cabelos soltos, vestido e picareta na mão, anos depois, pôs a criação da
bandeira romani veio a imagem igualmente emblemática da bandeira, ambas seguras
pela mão esquerda.
Los Romá lucharon hasta la muerte. Niños, hombres y
mujeres, todxs lucharon. Auschwitz nunca había experimentado algo así antes y
no volvería a experimentarlo de nuevo.
As camas (pedaços de
madeira) viraram armas, as enxadas e forjas de trabalho também, o pão assumiu o
mesmo papel. Hoje nossas armas são a escrita, a profissão e a fala. Falamos
para que todas as mulheres de etnia Rromani possam falar.
Após a tentativa de
extermínio do dia 16 de maio de 1944, outra ação se levantava e lá estavam elas.
Restaria a fala de um policial da SS sobre o dia ... “essa ação especial foi
tão mais difícil do que qualquer outra coisa que já havia sido realizada em
Auschwitz…”
Nunca se fala da
escrita, das cartas enviadas, da resistência, das fugas, das vitórias. É claro
que não, tão pouco agora. E novamente vemos o quão fácil é para governos de
extrema direita, a tentativa de evidenciar e ampliar o empobrecimento, renegar
a escrita e dar voz aos miseráveis, com se só disso fôssemos feitas/os.
É imperiosa a lembrança
do papel de mulheres.
A segunda é justamente
a triste relação do esquecimento histórico, da exclusão educacional, do
empobrecimento do pensamento crítico, social e político, que avança sobre a ode
do negacionismo, do fascismo e do obscurantismo.
“as
minorias devem se curvar a maioria”
Fala
do então candidato à presidência da república, Jair Messias Bolsonaro/2019
Não se negocia vida a
troco de prato de comida ou uma fotografia, como faz a atual gestão do país,
Não se reserva o pedaço
separado de pão a troca da morte de tantos outros,
Não se dá as mãos ao
fascismo e muito menos se senta na mesa com quem nos fere de sangue, pela
história, pela retórica, pelos fatos.
Hoje, lembramos heroínas
como Alfreda Noncia Markowska, (uma Rromí Polonesa que durante a 2ª Guerra
Mundial salvou aproximadamente 50 crianças, meninos e meninas judias e romanis
de morrer no Holocauto/Holokausto (Porrajmos/Samudaripen).
Lutas travadas com extrema lucidez e que nos
remetem as mulheres que lutam para que crianças romani comam e durmam em
segurança, entre a negativa de ascender a programas de governo e a necessidade
de trabalhar em meio a pandemia.
Heroínas como
Sebastiana Vidal, nascida no Brasil (das famílias Romani francesas e judias) que garantia a
passagem segura de caravanas por Minas Gerais nos anos 70 e garantiu ao longo dos
seus mais de 40 anos de parteira o nascimento digno de dezenas de crianças
romani).
Lutamos para
implementar política, garantir direitos. Para construir saídas e fugas, sem nos
curvarmos a mais uma parte triste da história do nosso país.
Esse 16 de maio de 2020,
dói muito, em muitos aspectos.
Pela dor do isolamento,
Pela dor do
negacionismo do governo federal,
Pela dor do uso da
história e pela desumanização.
“O
fascismo não se debate, se combate”
No dia 16 de maio de
2020, falamos porque é preciso, cotidianamente lutar contra a banalização da
agenda política, que renega a fantasiosas e despreparadas ações, a política do
aculturamento, renegando a história. Precisamos lutar contra o fascismo que nos
coloca as mais variadas “alegorias” em meio a uma realidade que se agrava a
cada dia.
Que a memória e a
recordação de mulheres que foram para além de seus tempos, nos embale e nos
alcance em tempos de resistência.
Por
ontem e por hoje, resistimos.