Porrajmos – O Holokausto Romani


O CRESCIMENTO DA @RROMAFOBIA E DO @ANTIGITANISMO
NA EUROPA E AMÉRICA LATINA




Após passados 75 anos da noite de 02 de agosto de 1944, Auschwitz ainda continua vivo, com suas câmaras de gás, seus fornos humanos.

A deflagração da guerra trouxe mais restrições aos ciganos e, em 16 de dezembro de 1942, Himmler ordenou a deportação de todos os "ciganos, mestiços, ciganos romanos e membros de tribos ciganas de origem balcânica com sangue não alemão" para um campo de concentração. Uma ordem do Escritório Central de Segurança da SS Reich, de 20 de janeiro de 1943, especificava que eles seriam deportados para o campo de concentração (campo cigano) de Auschwitz.

O texto acima é do professor de História Européia Moderna 
na Universidade de Essex e programador da
 Semana Holocausto do Memorial da Universidade de Essex.

Entretanto cuidado, pode facilmente ser confundida com os dias de hoje. Não faltam semelhanças.
Pelo ao menos duas realidades foram vivenciadas pela Rromá no Brasil – uma delas, a quantidade de Rom e Sinte que chegaram no Brasil á partir de 1933, acentuando pós 1942 e depois 1945. Chegaram via Porto de Santo e das Fronteiras entre Brasil, Chile e Argentina. Cuba também recebeu a Rromá, segundo relato dos mais velhos. A outra a entrada no Brasil, a troca dos nomes e as várias realidade que já tinham pela Europa em plena guerra e pós-guerra e o que iriam encontrar aqui.

Ian Hancock indica que, “segundo o historiador do Instituto de Pesquisa do Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, em Washington, Dr. Sybil Milton, em 1997 o número de vidas romani perdidas em 1945 era ‘entre um meio e um milhão e meio’” (Hancock & Stone, 2004, p. 383

Rromafobia ou antigitanismo? Seria uma doença? Falha de caráter? Ideologia Nazista? Ou pura realidade da discriminação que durante um breve período de tempo, permaneceu um tanto quanto esquecida no armário e hoje volta as ruas, aos gabinetes e reassume o papel do poder?
Itália retoma a investida do censo policial para expulsão, Israel parece que esquece o passado e impõe aos Palestinos a segregação e a morte, Brasil nega a aplicação das políticas e instituiu a tutela populista, França se alicerça nas expulsões, Portugal alimenta a discórdia dos benefícios educacionais e sociais, Estados Unidos numa escalada cada vez maior contra imigrantes, minorias e etnias, Espanha e a proibição de cidadãos e cidadãs frequentarem locais públicos, Bélgica invade acampamentos e residências em busca de bodes expiatórios, Argentina e as construções enviesadas e discriminatórias de um povo. Países que estão optando por fazer declarações públicas, cunhadas na rromafobia e na violência com roupagem de nacionalismo e que retiram direitos sociais como forma de contenção de despesas. Países que optam pelo populismo da segurança contra os bodes expiatórios convencionais.

O que há entre Judeus, rom e sinte? Dividiram entre si o episódio que matou e executou milhares de seres humanos em prol da hegemonia branca e das opções lunáticas de um ditador sanguinário. O que há entre a Rromá, os Sinte e a Palestina? Continuamos sofrendo a segregação e continuam nos matando dia a pós dia, sobre o holofote da mídia e sobre a omissão do mundo.
Quais as vidas que importam? Nos perguntamos todos os dias. Porque por mais que digam que o problema de países como a Palestina não é nosso, desconsideram a humanidade que existe por trás de tudo e que o tempo todo devemos estar atentos para que não façamos com os outros (todos nós podemos ser os outros em algum momento da vida), o que fizeram conosco.

O porquê de tanto ódio?
Hoje uma criança Rromâni já tem a condenação no ventre da sua mãe, antes de nascer. Já se estabelecem cadastros de futuros ladrões, marginais confessos, escórias da humanidade e assim por diante. Para sobreviver é preciso silêncio, submissão e aculturamento social, político ou religioso. Para a Rromá e os Palestinos, não se trata da cor da pele e nem da opção religiosa. O ódio é gratuito, é contra o sangue, é contra a sua identidade.

Penso que se no Holocausto dividimos o sofrimento, sendo que quase chegamos ao extermínio na Europa, hoje dividimos com a Palestina, como segregados e párias.

É justo uma luta tão desigual? Onde o estado manobra a máquina pública com informações contra todo um povo, uma etnia? E o silencio das Nações Unidas, dos organismos de defesa, da ONU e demais, é criminoso quando se omite em garantir o cumprimento desses direitos, desagregador porque mantem postos isolados dessa discussão sem de fato atingir o auto grau de preconceito que atinge as populações Rromá no mundo e com tudo isso, colabora com a exclusão, valorizando a participação de gabinete, longe da realidade de ontem e de hoje. Chego a pensar que nada mudou, apenas se tornou paisagem e cotidiano.


Às vezes quando o desanimo vai chegando e acreditem, ele chega, precisamos juntar forças, memórias e começar a construir um novo caminho. Leva tempo, talvez até tempo demais. É tudo tão frágil. Uma conquista de hoje não se consolida para a próxima geração e assim por diante. Não se trata de reviver sofrimento e ficar parado, como disse uma vez um gadjo (pesquisador sobre o tema) numa palestra a uns 4 anos atrás: “existe uma moda em falar sobre o Holocausto Cigano”.  Depois que passou aquela angustia que sobe pela garganta, fiquei pensando; qual é o tamanho real dessa distancia de entendimento de certo acadêmicos supostamente “ciganólogos”? por um lado temos os sobreviventes do Porrajmos, parentes e descendentes no Brasil, por outro lado temos os ciganos “genéricos”, daqueles que quando dançam fazem da bandeira da Rromá um lenço e a atiram no chão; outros pegam carona na data em si e eram as palavras, o “Holocausto do nosso povo cigano” – quem é da Rromá sabe bem o que estou dizendo com isso. Ainda existem os que vivem do romantismo e do folclore e assim recuperam matérias de outros países sem compreender os desdobramentos e simplesmente alteram o tema para o português.

Foi o que ganhamos com os anos de descaso na educação, com as perseguições e o crescimento da rromafobia e da apropriação cultural por parte dos autodeclarados. Sobreviver nos custou caro, muito caro.
Falta educação, muita. Falta a história de si mesmo também, saber para além do umbigo e das promessas de pseudos governos. Usados como bode expiatório das escórias de governos e poder público. Ano após ano.

E para além de rever a história?
Existem dois movimentos no mundo hoje e temos orgulho em participar dos dois, juntos com outros membros da Rromá. O primeiro deles é sobre a importância da educação – numa das nossas palestras, um suposto cigano disse assim, bem baixinho: “Manda esse homem passar lá pelo acampamento e a gente pega ele”, atenção, ele estava falando sobre Hitler. Isso foi em 2014 e hoje, esse mesmo senhor se autodeclara o defensor dos ciganos verdadeiros no Brasil.

O outro movimento é o resgate das discussões sobre o enfrentamento da Rromafobia ou do Antigitanismo, com forte expressão em alguns países da Europa e América Latina. Essa discussão faz com que se repense o número de mortes, causas prováveis, qualidade de vida atual, reconstrução das identidades e alinhamento de várias ações em defesa da dignidade humana da Rromá no mundo.
O que ocorre no Brasil é sem sombra de dúvida um genocídio cultural, em uma escala avassaladora e com aporte de organismos midiáticos e de alguns poucos ciganos, numa tentativa desesperada de reconhecimento. A vaidade faz isso, empodera a mediocridade e o desconhecimento amplia a rromafobia. Infelizmente não é muito diferente no resto do mundo. São anos de atraso que hoje cobram o preço caro dos brasileiros e brasileiras de etnia romani.




Temos do nosso lado a Resistência – como diria Ático Vilas Boas, pesquisador e estudioso da etnia.  Há quem diga que de todas as minorias e recortes étnicos, sobrevivemos apesar do “resto do mundo”.

“Não nos matam pela cor de pele, nos odeiam porque simplesmente odeiam, não há explicação”, mesmo que autores como Garcia Lorca tenham dito que possivelmente seja pela liberdade dos nossos olhos. Quem sabe Cecília Meirelles tenha simplificado: seu povo quer bandeiras, o meu povo quer passar.

Ou por carregarmos a bandeira da paz, como disse tantas vezes kako Mio Vacite: “Nossa bandeira nunca foi manchada com sangue”.

Seria pela capacidade de se reinventar, ganhar mundo e construir nos laços familiares e coletivos a identidade de resistência e sobrevivência?

A relutância de muitos Rom e Sinte de lembrar e comemorar sua vitimização durante o período nazista a sua condição socioeconômica nas sociedades de hoje, argumentando que a lembrança é um luxo que os Rom não podem pagar.
Ian Hancock

Esquecer o passado não é uma opção, não há escolha. O luxo da lembrança. A lembrança que devora as forças, nos retira a dignidade, nos leva para um lugar sem alegria e sem senso de unidade. Nos separa. Daquelas famílias diretamente afetadas, poucas se levantaram, vieram os sobreviventes, ainda pequenos ou os que conseguiram fugir o mais longe possível – esse foi o caso do Brasil.

Ao final da 2ª Guerra e do Genocídio dos Rom e Sinte, muitos enlouqueceram, outros migraram para países da América Latina em maior número, alguns tiveram seus braços familiares totalmente extintos e outros apenas um sobreviveu. Após os anos de morte, os mais velhos mudaram o olhar, alguns morreram de desgosto e tristeza e outros reconstruíram suas identidades, mudando sobrenomes ou reorganizando suas estratégias de sobrevivência.

No entanto, na noite de 2 de agosto de 1944, não houve tal descanso. Todos os ciganos ainda foram deixados no Zigeunerfamilienlager, quase 2.900 homens idosos e enfermos, bem como mulheres e crianças, receberam uma ração de pão e salame e foram informados de que seriam transportados para outro campo. Alimentando-se com essa decepção, as SS as carregaram em caminhões. Mas, em vez de uma jornada substancial para outro campo, eles foram levados apenas a uma curta distância até as câmaras de gás próximas. Pela manhã, o acampamento estava vazio. Isto marcou o fim do Auschwitz Zigeunerfamilienlager.

Ao longo de seus 17 meses de existência, cerca de 22.650 prisioneiros ciganos foram deportados para o Zigeunerfamilienlager (esse número inclui as 360 crianças nascidas no campo). Cerca de 85 por cento deles pereceram. Cerca de 13.150 morreram por negligência voluntária (fome, doença, maus-tratos e exaustão), e cerca de 5.700 foram assassinados nas câmaras de gás, mais da metade deles durante a noite de 2 de agosto.

Esta noite manteve uma ressonância particular para a comunidade cigana e continua a ser uma dolorosa lembrança da sua perseguição pelos nazis. Desde 1997, tem sido marcado internacionalmente como o Dia da Recordação do Extermínio Romani, e em 2015 o Parlamento Europeu designou este dia como o Dia Memorial do Holocausto dos Rom e Sinte Europeus, refletindo a importância desta noite para os ciganos e para a memória cultural europeia. No entanto, os ativistas ciganos sentem cada vez mais que não querem ser lembrados apenas como vítimas indefesas dos nazistas. Portanto, além de 2 de agosto, eles começaram a celebrar o dia 16 de maio como o Dia da Resistência Romani para servir de inspiração para a batalha contra a contínua discriminação dos ciganos na Europa de hoje.
Rainer Schulze

Das caravanas sobraram pouca coisa, apenas a fala de muitos gadjos, relembrando os ciganos em seus estados e municípios e a fantasia das barracas, como lugares ideais de liberdade, sem com isso crer que o que é imposto, traz ao longo dos séculos a ilusão de tradição e cultura. Infelizmente no Brasil, há quem faz referencia as barracas como modelo da cultura e tradição, sem sequer elevar o tom contra a grave situação das faltas de condição básica de saneamento e habitação condigna.

O Porrajmos – a grande devoração, lembrando os fornos de extermínio nazistas ou Samudaripem – lembrando o massacre impiedoso, são divisores de tempos, de extrema importância, porque mesmo que não fujam a trajetória de perseguição desde o início, ressalta o silencio e o recontar de fatos atuais, que nos levam as mesmas questões de 1944. Tão atuais nos dias de hoje.

Na época não tínhamos os meios de comunicação que temos hoje – o que muda?

     'Os judeus ficaram chocados [sobre a deportação] e podem lembrar o ano, a data e a hora em que isso aconteceu. Os ciganos deram de ombros. Eles disseram: 'Claro que fui deportado. Eu sou cigano; estas coisas acontecem a um Roma '.
Nico Fortuna

O silencio dos registros de nascimento no Brasil e dos óbitos na Espanha, a condenação por suposição de um cometendo crime por toda uma etnia como na Bélgica, a política segregacionista norte americana e Israelense, o registro forçado das autoridades policiais italianas, a exclusão de direitos como opinião pública em Portugal ou o crime de um, como crime de todos como na Argentina ou ainda a simples e corriqueira expulsão como fazem os Franceses.

“Não os quero aqui, faça-os caminhar” ou “Eternos imigrantes”

Maria Luiza Tucci Carneiro generosamente apontou-me para um raro e importante documento de imigração cigana que ela encontrou no Arquivo Histórico do Itamaraty, no Rio de Janeiro. O documento explicita o fato ocorrido em 14 de dezembro de 1936, quando 30 poloneses e gregos ciganos, a bordo do navio Almirante Alexandrino, oriundo de Lisboa, foram impedidos de desembarcar no porto de Santos, no Estado de São Paulo (Carneiro & Strauss, 1996, p. 121). Os ciganos foram enviados de volta a Portugal. Essa é uma forte indicação de que os rom que conseguiram ser aceitos como imigrantes provavelmente não assumiram a sua identidade publicamente. Como os sobrenomes ciganos não eram tão facilmente identificáveis como os dos judeus, os mais afortunados possivelmente entravam no país como “europeus brancos”.

O tempo passa, mas o Fascismo continua abrindo caminho para a violência e o domínio de poucos sobre muitos. Do que adianta lutar? Se estabelecer, criar identidade se num piscar de olhos tudo pode mudar, porque o sangue que você carrega está contaminado? O silencio ou as aparições folclóricas, místicas de uma realidade inexistente? Há o folclore e sobre tanta ignorância permanece o genocídio silencioso da Rromá no Brasil e no mundo. Muda-se o calendário, a fórmula, só não muda a retórica.
Entretanto, como em toda pós-guerra, leva um tempo, até que as realidades se assentem. Que novas formas de organização e resistência se estabeleçam e que possa novamente voltar a ter esperança. Muitos se levantaram, mas, ainda precisamos cuidar da qualidade dessas representações...

“Só permanece quem tem sangue. Não é a fome que nos assusta, não é a pobreza e tão pouco e falta das coisas. O que realmente nos rompe a existência e nos condena a morte silenciosa é quando nos tiram a descendência, essa identidade que é tão nossa”.
Juan de Dios Ramirez Herédia
2011 - Brasil

Já em 2019, essas lembranças podem parecer distantes, isoladas, esquecidas, mas não estão. Seja pelas novas formas de exclusão social, agressões e assassinatos, cometidos todos os dias contra a Rromá, seja pelas reportagens que aparecem e ressurgem com força a condição mística e folclóricas, que distanciam as políticas públicas da realidade. Elas estão aí, com outra roupagem, ano após ano.
Com o contínuo aculturamento, a falta de instrução e a continua apropriação da identidade, a distância entre as etnias no Brasil se alarga, assim como ocorreu na Argentina e em outros países. Um movimento bastante reservado aos países da América Latina, infelizmente o Brasil não foge à regra.

Desde 1997, a data da liquidação do Zigeunerfamilienlager (Acampamento da Família Cigana) de Auschwitz, em 2 de agosto, foi marcada como o Dia da Recordação do Extermínio Romani; 16 de maio, o dia em que os ciganos resistiram ao transporte para as câmaras de gás em Auschwitz, é marcado como o Dia da Resistência Romani.

Aushwitz


 (o poema do italiano Rom Santino Spinelli para lamentar aqueles que pereceram está escrito no monumento em homenagem aos Sinte e Rom assassinados sobre o regime nazista)

Rosto afundado
olhos escuros
lábios frios;
silêncio.
Coração rasgado
sem fôlego,
sem palavras,
sem lágrimas.

Rainer Schulze relata também em seus estudos que: “A fim de incluir a grande variedade de experiências dos romanis durante o período nazista, o pesquisador, estudioso e ativista Rom Ian Hancock cunhou no início dos anos 90 o termo Porajmos ou Porrajmos, que significa 'devorar' ou 'destruição' com base nos dialetos da língua, o Romanês. No entanto, muitos, vindos dos Bálcãs rejeitam enfaticamente este termo como desrespeitoso por causa da conotação sexual que ele tem em alguns dialetos traduzidos do Romanês dos Bálcãs. Em vez disso, o lingüista romani Marcel Courthiade propôs o termo Samudaripem ("assassinato em massa"), que Hancock rejeita como não conforme à morfologia de Romanês. Outros termos usados ​​ocasionalmente são Kali Traš ('Black Fear’) ou Berša Bibahtale ('Os anos infelizes').”

E conclui: “Nenhum desses termos entrou na linguagem cotidiana da maneira que o termo Holocausto tem, e nenhum deles é aceito por todos as populações Romani na Europa e além. A tendência geral, portanto, está apontando para o uso do termo Holocausto Romani, ocasionalmente em algumas adaptações de Romanês, como Holokosto ou Holokausto.”

Os debates sobre o que chamamos a experiência cigana de perseguição durante o período nazista e como podemos capturá-la em uma narrativa abrangente mostram acima de tudo uma coisa: mesmo 70 anos após a derrota do regime nazista nós, como sociedade majoritária, falhamos em apreciar o destino dos Rroma durante este período e incorporá-lo na nossa cultura comemorativa.

A falta de uma tradição para transmitir sua história e cultura por escrito, deixou a sociedade mais ampla atribuindo pouco valor às suas memórias e experiências. Também significou que os “ciganos” foram tratados como um fenômeno marginal, não digno de ser incluído na memória histórica geral. Suas histórias permaneceram amplamente desconhecidas e não reconhecidas. Este "esquecimento cultural" da história dos ciganos é uma importante razão pela qual os ciganos europeus, a maior minoria étnica da Europa, continuam a sofrer de extrema pobreza, falta de oportunidades de emprego e discriminação em áreas como habitação, educação e acesso à saúde.

E termina Rainer Schulze;
A comemoração nunca é um fim em si mesma. Para ser significativa, a comemoração precisa lembrar o passado para moldar nosso futuro comum. Se o Holocausto nos ensina alguma coisa, certamente nos diz em voz alta que quando os direitos humanos de um grupo são violados, nenhum grupo pode se sentir seguro.

Ao final dessa pequena reflexão sobre o Porrajmos, a esperança de ver dia após dia, novas gerações de Rromá, alcançando as universidades por todo o mundo e se juntando aos poucos em organizações com o foco real das coisas. Me entristece muito e a muitos no Brasil, a pouca qualidade das discussões, a pouca efetividade legal dos mecanismos existentes e o constante embate em contendas menores e particulares. O que fica de bom é que temos falado entre nós sobre isso e temos pensado conjuntamente em como alterar, sem divisões desnecessárias. É obvio que somos todos diferentes, cada qual com sua realidade, sua história e sua tradição. Entretanto é também obvio que precisamos urgentemente sair desse ciclo vicioso e ampliar o entendimento sobre o que a violência, o fascismo e seus desdobramentos podem causar a toda a uma etnia.

A uns anos atrás um grande amigo, um irmão, desabafou sobre essa construção: Muitas e muitas noites penso em restringir minha identidade e dos meus, somente a minha casa, a família. É um cansaço mental, emocional e físico avassalador. Hoje eu entendo tão bem quem faz o papel do esquecimento social, preserva-se a saúde e os lucros também. É muito folclore, é tanto que quando chegamos a algum lugar e nos identificamos, as pessoas dizem: “Nossa, não parece!”. Daí pergunto: Com o que? O Brasil virou um canteiro de obras e bugigangas e nossa cotação está abaixo de 1,99. Mas aí quando justifico que viajo muito, logo perguntam: Você é cigano mesmo? No que respondo, não sou cigano, sou Rom. Pronto, já basta para o sangue aquecer novamente.
AMSK/Brasil – Relatórios internos.

Quando os direitos fundamentais de uma pessoa, um grupo, uma etnia, seja ela qual for é atingido de morte, não podemos nos calar. Nem aqui e nem em nenhum lugar do mundo. Em memória dos que morreram no dia 02 de agosto de 1944 e a todos e todas que cotidianamente são atingidos de morte pelas várias faces da rromafobia ou do antigitanismo, nós iremos resistir.