24 DE MAIO
OPRÉ ROMÀ
VIDA QUE SEGUE
Nos reportamos a ontem. Dia 24 de
Maio – uma sexta feira que poderia passar despercebida ou tranquila se não
fosse pelo inevitável.
Desde muitos anos, essa data nos
leva a Saintes Marie de La Mer, vamos ver o banho de Sara, cantar, rever amigos,
saber como andam as coisas mundo afora e falar de resistência. Desde 2006 celebramos o reconhecimento
do Brasil, melhor dizendo, a data comemorativa com o Decreto que o Lula
sancionou. Desde o ano de 2004 discutimos política e desde 2009, fazemos isso através
da AMSK/Brasil, enquanto pessoa jurídica.
é sobre ela...
Esse ano, foi o primeiro ano, que
não tivemos tempo, sequer de colocar um cartaz, uma fala, um texto sobre a
data. Neste ano nos subdividimos, entre reflexões, esperança, angústias e um
pedacinho de carinho.
Bravas guerreiras e guerreiros da
AMSK em todo o país e pelo mundo afora. Mais do que nunca temos que comemorar a
nossa união e por isso o meu agradecimento a cada um e a cada uma enquanto
presidente da AMSK, amiga, irmã, comadre, mulher e parceira.
Militante e ativista é hoje o
nome que mais se aproxima dos nós.
O 24 de maio de 2019 vai ficar na
história da AMSK/Brasil, como o dia em que mais nos multiplicamos e o quanto o
respeito, o carinho, a fé e a tolerância precisam andar juntar. Os desapontamentos,
as angústias e as tristeza também fizeram parte desse dia. Por isso resolvemos
colocar algumas reflexões curtas sobre ontem.
a. De
fato, devemos ameaçar muito...as mulheres precisam ser impedidas de amamentar,
andar algemadas (pés e mãos) e dispensar a atenção de inúmeras viaturas
policiais.
Acusação: Furto
de energia elétrica/Formação de quadrilha.
Essas são marcas das algemas.
b. Quem
somos nós na fila do pão? Um povo, uma comunidade, um indivíduo? Os ciganos
são.... Os ciganos costumam.... os ciganos....
Conclusão: a
fala dos gadjos ou paios, ganham novamente o protagonismo. Essa é mais uma
forma do anticiganismo, da rromafobia, no Brasil do ano 2019.
c. Quadrilha
de ciganos, Bando de ciganos, associação criminosa. Na imprensa de 24 de maio,
de 8 de abril e de anos anteriores.... aonde a realidade alcança as falas
repetidas e de aproveitamento midiático? Continua igual no reino da Dinamarca.
d. Heróis
e Heroínas se levantam através de falas de sensibilização extremadas, que em
nada atingem as urgências, os descasos, a realidade o cotidiano.
e. Inúmeros
cartazes de festas, danças, misticismo, rezas e folclore ... do outro lado
tivemos as filas do SUS, a fome, as tentativas de apropriação de uma política
que corre contra o tempo, para tentar mais uma vez lutar pela dignidade humana.
Sabem o que valeu a pena ontem:
Ver uma família muito querida em
casa e feliz, depois das emergências médicas, ver um irmão curtir os filhos e
resistir a quase 12 horas na fila do SUS, com uma glicose acima de 400. Saber
que as bravas guerreiras desconhecidas, vão voltar as suas barracas e aos seus
filhos e netos essa noite, saber que intrigas e falácias vão se ajeitando, que
reis e rainhas vão perdendo seus reinados, que a Rromà vem se levantando e
cuidando cada vez mais do seu território, da sua casa, da sua realidade
enquanto direito e não favor.
Várias ações práticas, oficinas
práticas, universidades, equipes de saúde e outros, fizeram o exercício prático
da cidadania e isso muda a vida das pessoas. Isso é política.
Prof. Dr. Suderlan/Enfermeiro numa oficina da equipe de saúde da família.
Ontem valeu deitar no colo, tomar
café na caneca e beliscar biscoitos de aveia quentes, saídos do forno. Foi acompanhar
o novo chegando, homens e mulheres ingressando nas faculdades de física, dança,
assistência social, direito e medicina. Valeu ver a luta de um cigano
antropólogo pelo diálogo e pela dignidade, sem se deixar intimidar pelas
gravatas e ternos do poder público. Ontem ... exaustas, lá pelas 23:00 hs,
poder dizer a nossa equipe e amigos:
Não queremos mais sentir medo. Hoje sabemos mais claro do que nunca, quem
é quem no jogo de damas. E agradecer a cada uma e cada um pelo exercício de
cidadania e de consciência que seguiremos fazendo.
Quem fala por nós? Ninguém. Como é bom enxergar com clareza as estradas.
Como é bom ter certeza do caminho a seguir. Hoje matamos o nosso leão diário.
Quando nos perguntaram ontem: Sobre o “Estatuto dos Povos Ciganos”, cabe
um possível substitutivo? Resumimos dizendo: Caberia, se a Convenção
169/OIT estivesse sendo respeitada, mas prefiro de responder com algumas
perguntas: a quem interessa o estatuto? Quais os títulos que ele traz consigo,
amparados na vaidade e no despreparo humano? Hoje compreendemos mais que nunca
o afastamento de muitos homens e mulheres das questões políticas. Trocamos uma
suposta reina por uma gravata. Trocou o direito de fala pelo favor. É vida que
segue. Cuidemos agora das tutelas. Elas virão.
Qual a conclusão que chegam de
tudo isso? Que passará e que muitos hoje já percebem todo o mal de estudos e
condução de pautas que foram feitos através dos anos. Muitos pesquisadores que
estudam a pauta da Rromá de forma séria, tem percebido essa condução forçada.
Muitos estão nas universidades, isso muda o entendimento político. Muitas
mulheres se levantam a cada dia contra essa forma de preconceito, disfarçada de
direito. Lutamos e abrimos leques de luta, trouxemos muita gente para essa agenda,
infelizmente é uma agenda de mão dupla. As vezes você dá ouro e recebe latão. A
diferença é que conhecemos o ouro. Estamos
nos juntando, sem folclore, sem simulações e é isso que nos faz continuar. Existe uma preocupação que ficou clara em Harvard (abril), que se ampliou ontem e que reflete os rumos internacionais dessa discussão. Brasil, Portugal, Bélgica, Espanha, Itália e Argentina.
É urgente a necessidade de ressignificar
a luta da Rromá no Brasil. Já começou. Continuamos na estrada...não na estrada que
desenharam. Essa é outra. Opré Rromá. Nais Tukê.
AMSK/Brasil