A 48 anos atrás,
cidadãs e cidadãos da Romà de vários países, colocaram em prática, uma reunião
que desde meados dos anos 50, com o fim da Segunda grande Guerra Mundial já
vinha sendo pensada, entre pares, com um pensamento apenas: Quantos de nós
restaram? Onde estão nossos filhos e filhas? Quem sobreviveu. Entretanto, essa
reunião, mudaria a história da Romà no MUNDO.
Foto cedida a AMSK/Brasil em 2012 por Juan de Dios Ramiréz Herédia.
Atordoados, largados a
própria sorte, excluídos do entendimento de que eram uma etnia e tratados á
margem da história brutal do Holocausto, muita coisa havia mudado.
Migrações maiores
começaram a acontecer, nomes e sobrenomes foram excluídos ou sistematicamente
modificados, adaptações na linguagem, discussão sobre o pertencimento e
decisões extremas de sobrevivência foram levadas a cabo. Era preciso permanecer
vivo. Muitas famílias não conseguiram imigrar juntas, algumas se recolocaram em
outras posições de trabalho, na esperança de enxergarem algo muito próprio da
Romà: manter sua identidade a salvo e sua geração segura.
Nota-se que em outra
escala, a Primeira Grande Guerra também fez isso. Com uma parte relativamente grande
vindo para a América do Sul.
Não foi fácil, e ainda não
é fácil.
Com a proximidade da
reunião aos arredores de Londres, um alvoroço entre a Romà se estabeleceu. Alguns
jamais haviam conhecido pessoalmente os que estariam alí, outros tentavam
juntos algumas moedas para não faltar, mas, também houve quem não acreditasse e
por medo e receio de ser mais forma de calar e identificar quem eram, não
compareceram.
Sem dinheiro, sem ajuda
e sem reconhecimento da tão poderosa Organização das Nações Unidas – ONU, a ideia
de começar a se organizar de forma objetiva e pontual, focada na necessidade
extrema de um novo extermínio em massa e com novas visões, já passados alguns
anos do fim da guerra, havia no ar um misto de contradições, possibilidades e a
certeza de que se algo não fosse feito, nada mais seria.
Dentre as discussões
sobre direito a indenizações, pedidos formais de desculpas, plataformas de sobrevivência,
apoio as famílias e outros, dois assuntos foram de extrema importância para
reforçar a identidade da Romà: desconstruir a herança de uma identidade,
formalizada por gadjes (gipsy, gitanos, ciganos, tzigane e tantas outras ...),
retomando a construção identitária de si mesmo – até então, vários
historiadores dentre outros, reforçaram a temática dos analfabetos/por isso
escrevemos por vocês. Fato é que muitos já estavam estabelecidos e com isso, o
estudo já fazia parte de algumas famílias, possibilitando nesse momento que a
escrita começasse a avançar. Retirando os falsos conceitos, desconstruindo
falácias e fantasias – infelizmente perpetuadas ainda hoje.
Um segundo ponto
primordial foi o consenso de uma identidade visual, no caso a bandeira, com
três dispositivos claros e realistas (por favor, desconsiderem traduções de
internet que em sua forma folclorista, desconstrói toda uma identidade), uma
identidade linguística e musical – retomando a prática de se contar a história através
da música (várias vezes proibida). Neste caso, um hino que contasse o fato,
relembrando no seu contexto total, os genocídios. (e sim, no plural)...
Caminhei, caminhei por
longos caminhos
Encontrei afortunados roma Ai, roma, de onde vêm com as tendas e as crianças famintas? Ai, roma, ai, rapazes! |
Também tinha uma grande
família
foi assassinada pela Legião Negra homens e mulheres foram esquartejados entre eles também crianças pequenas. Ai, roma, ai, rapazes! |
Abre, Deus, as negras
portas
para que eu possa ver onde está minha gente. Voltarei a percorrer os caminhos e caminharei com os afortunados roma. Ai, roma, ai, rapazes! |
Avante, roma, agora é o
momento,
Venham comigo os roma do mundo Da cara morena e dos olhos escuros Gosto tanto como das uvas negras Ai, roma, ai, rapazes! |
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Então,
alguém pode nos perguntar: por que dentre tantos assuntos de extrema importância,
destacar a música e a bandeira?
Porque o 8 de Abril,
especialmente no Brasil, vem recheado de apropriações que desqualificam a data,
rasgam a história e não deixam de produzir em nós esse misto de vergonha alheia
e indignação. RESPEITEM O DIA INTERNACIONAL DA ROMÀ, O ROMANI DAY OU O DIA
INTERNACIONAL DO POVO ROM.
Não façam da ignorância
e da apropriação uma bandeira construída sobre o genocídio silencioso que ainda
vemos acontecer até hoje. Na França, na Colômbia, no Brasil, na Itália, na
Espanha, em Portugal, Inglaterra, Estados Unidos ... Não há espaço para a
desconstrução da identidade dos Romà, para comemorações “alegres e festivas”, para
apresentações e vídeos que desconstroem o sentido e o sentimento da construção
dessa data...
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Os trechos acima fazem
parte de uma das 6 publicações indexadas à serem concluídas no âmbito das Celebrações
dos 10 anos da AMSK/Brasil, no Brasil e no exterior.
No ano em que
completamos oficialmente 10 anos de luta na busca da implementação dos Direitos
Humanos para a Romà no Brasil (a mesma de
1971), estamos realizando uma série de ações que reforçam nossas
construções desde o início dessa caminhada em 2004, podemos:
1. A
melhor de se construir cidadania é através de uma rede, ninguém constrói nada
sozinho, passando por cima dos outros ou se auto proclamando – a importância da
escuta qualificada e da consulta;
2. A
escrita Decolonial é sem sobra de dúvida uma das formas mais eficazes de
combate ao folclore e ao misticismo, fortemente arraigados na cultura brasileira;
3. Lutar
para combater a romafobia, significa, dentre outras coisas, garantir o combate
ao racismo coletivo e ao racismo institucional;
4. A
ignorância, o preconceito e o racismo não podem ser a marca registrada da Romà
no Brasil. A Educação pode e muda a trajetória, mas ela não vem sozinha, ela
requer Resistencia. #ResistenciaRomani
A história não é só contada por
quem ganha batalhas, mas por quem guarda memórias e documentos, isso amplia respeito,
garante a dignidade humana e com isso abre caminhos. Isso salva vidas, preserva
gerações. Na minha época eram as memórias e na de vocês os documentos.
Desde o meu Bisavô, Romão, a
família já sabia que não seria fácil e não é, nunca foi.
Há o medo de falar, o medo da
perversidade, da discórdia e a pior delas, a inveja. Mesmo assim, não parem,
não se calem. Somos mulheres e somos fortes. Vamos resistir.
FV – 9 de março de 2019
Trechos do livro: “Meus Pés ... in
prelo”
AMSK/Brasil