RESOLUÇÃO Nº 181 DO CONANDA SOBRE OS DIREITOS DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES DE POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS
A AMSK/Brasil realiza uma
série de ações no Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA)
para visibilizar as questões afetas aos direitos humanos das crianças e
adolescentes esquecidas pelos agentes públicos, dentre elas as pertencentes a
Povos e Comunidades Tradicionais.
No Encontro ECA 25 anos: Pela
absoluta prioridade da criança e do adolescente, realizado nos dias 8 a 10 de
dezembro de 2015, em Brasília-DF, o CONANDA propiciou a participação de
adolescentes pertencentes a povos indígenas, quilombolas, ciganos, ribeirinhos,
matriz africana, e pescadores artesanais. Como resultado das rodas de debates
foi elaborada uma Carta Aberta: Por uma Política Nacional dos Direitos Humanos
de Crianças e Adolescentes de Povos e Comunidades Tradicionais, e dentre as
reinvindicações a elaboração de uma Resolução do CONANDA sobre os parâmetros
para interpretação dos direitos e adequação dos serviços relacionados ao
atendimento com o respeito as suas especificidades culturais.
Na 10ª Conferência Nacional
dos Direitos da Criança e Adolescente (X CNDCA), realizada nos dias 21 a 24 de
abril de 2016, no Centro Internacional de Convenções do Brasil (CICB), Brasília
– DF, o ineditismo do CONANDA em oportunizar a participação de crianças e
adolescentes representantes de segmentos sociais com maior vulnerabilidade e
ainda invisibilizados frente as políticas públicas ou ao Sistema de Garantia de
Direitos, pertencentes a povos e comunidades tradicionais (ciganos,
ribeirinhos, matriz africana, quilombolas, indígenas), ao campo e floresta, aos
migrantes, e outros segmentos sociais, cujo ingresso aos espaços de discussão e
formulação das políticas públicas estadual e municipal de promoção e defesa dos
direitos humanos não há viabilidade. Como resultado desta participação foi
aprovada na Plenária Final da Conferência a Moção de Apoio a Crianças e
Adolescentes pertencentes a Povos e Comunidades Tradicionais, apresentada pela
AMSK/Brasil.
Em 2 de maio de 2016, como
desdobramento ao resultado da Moção de Apoio, a AMSK/Brasil protocola o
documento de proposta de Resolução junto ao CONANDA com a solicitação para
análise e deliberação. Elaborado conjuntamente com o Prof. Assis Oliveira
(UFPA), Dr. Esequiel Roque (OAB/RO), Prof. Dr. Humberto Miranda (UFRPE), Mãe
Tuca e Renato Bonfim (Casa de Cultura Ilê Asé D’Osaguinã), Antônio Raposo e
Madalena Raposo (professores pertencentes a comunidades Ribeirinhos do Vale do
São Francisco), José Ruiter e Anne Kellen Cerqueira (ciganos Rom Lovara),
Elisabete Martinho (cigana Rom Kaldarash), Profa. Priscila Paz Godoy (UnB) e
Profa. Jamilly Cunha (UFPB).
Na 256ª Assembleia Ordinária
do CONANDA, realizada nos dias 9 e 10 de novembro de 2016, em Brasília-DF, a
Comissão de Políticas Públicas do órgão colegiado apresenta em plenária a
redação final da Resolução com o parecer favorável, sendo aprovada por
unanimidade.
A AMSK/Brasil agradece as
conselheiras e conselheiros do CONANDA pelo empenho nos trâmites da análise e
principalmente ao reconhecimento dos direitos de crianças e adolescentes de
Povos e Comunidades Tradicionais até então (in)visibilizados no Sistema de
Garantia de Direitos.
A Resolução nº 181 do CONANDA de
10 de novembro de 2016, publicada no Diário Oficial da União nº 247, de 26 de
dezembro de 2016, é uma conquista à efetividade pelo Sistema de Garantia de Direitos a promoção, proteção e garantia dos direitos humanos das crianças e adolescentes
pertencentes a Povos e Comunidades Tradicionais.
Leia a integra da Resolução nº
181.
RESOLUÇÃO Nº 181, DE 10 DE
NOVEMBRO DE 2016
Dispõe
sobre os parâmetros para interpretação dos direitos e adequação dos serviços relacionados
ao atendimento de Crianças e Adolescentes pertencentes a Povos e Comunidades Tradicionais
no Brasil.
O CONSELHO NACIONAL DOS
DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - CONANDA, no uso das atribuições legais
estabelecidas na Lei nº 8.242, de 12 de outubro de 1991 e no Decreto n° 5.089
de 20 de maio de 2004, Considerando o que estabelecem o art. 30 da Convenção sobre
os Direitos da Criança, promulgada no Brasil pelo Decreto nº99.710, de 21 de
novembro de1990, o Comentário Geral nº 11/2009 do Comitê das Nações Unidas dos
Direitos da Criança, a Convenção nº 169 da Organização Internacional do
Trabalho, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 5051, de 19 de abril de 2004, a
Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões
Culturais, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 6.177, de 1º de outubro 2007, a
Declaração das Nações Unidas dos Direitos dos Povos Indígenas, a Declaração
Americana dos Direitos dos Povos Indígenas, o art. 227 caput, o art. 231 caput
e o art. 68 da ADCT da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a
Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) a
Lei nº 11.645/2008 que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei nº 9.394/1996) incluindo no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e
Indígena", e o Decreto nº 6.040/2007 (Política Nacional de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais);
CONSIDERANDO que povos e
comunidades tradicionais são aqueles que assim se autodeclaram, segundo os
critérios estabelecidos pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do
Trabalho e pelo Decreto nº 6.040/2007, dentre os quais se incluem povos
indígenas, comunidades quilombolas, povos e comunidades de terreiro/povos e
comunidades de matriz africana, povos ciganos, pescadores artesanais,
extrativistas, extrativistas costeiros e marinhos, caiçaras, faxinalenses,
benzedeiros, ilhéus, raizeiros, geraizeiros, caatingueiros, vazanteiros, veredeiros,
apanhadores de flores sempre vivas, pantaneiros, morroquianos, povo pomerano,
catadores de mangaba, quebradeiras de coco babaçu, retireiros do Araguaia,
comunidades de fundos e fechos de pasto, ribeirinhos, cipozeiros, andirobeiros,
caboclos, entre outros;
CONSIDERANDO que as Crianças e
Adolescentes pertencentes a Povos e Comunidades Tradicionais são destinatárias
da legislação nacional e de tratados internacionais de direitos humanos pertinentes
à infância e adolescência, assim como dos relativos aos Povos e Comunidades
Tradicionais, resolve:
Aprovar os seguintes
parâmetros para interpretação dos direitos e adequação dos serviços
relacionados ao atendimento de Crianças e Adolescentes pertencentes a Povos e
Comunidades Tradicionais no Brasil:
Art. 1º A aplicação da
legislação pertinente à infância e à adolescência nas questões específicas que
envolvam Crianças e Adolescentes oriundas de Povos e Comunidades Tradicionais
deverá considerar as garantias jurídicas presentes na legislação específica dos
Povos e Comunidades Tradicionais, assim como a autodeterminação, as culturas,
os costumes, os valores, as formas de organização social, as línguas e as
tradições.
Art. 2º Devem ser respeitadas
as concepções diferenciadas dos diversos povos e comunidades tradicionais
acerca dos ciclos de vida que compreendem o período legalmente estabelecido
como infância, adolescência e fase adulta.
Art. 3º Considera-se
fundamental que a legislação pertinente aos Povos e Comunidades Tradicionais
seja considerada para a formulação e a aplicação em todas as medidas
relacionadas a Crianças e Adolescentes de Povos e Comunidades Tradicionais, de
modo a assegurar que possam ter acesso aos serviços culturalmente apropriados no
âmbito da saúde, da alimentação, da educação, dos serviços socioassistenciais, das
medidas socioeducativas, das atividades de esporte e lazer, da convivência
familiar e comunitária, do trabalho, do saneamento básico, da segurança
pública, do meio ambiente e da seguridade territorial, entre outras questões.
Parágrafo Único. Para a
adequação cultural dos serviços existentes ou a serem criados no âmbito das
políticas setoriais, de caráter público ou privado, considera-se necessária a
adoção dos seguintes requisitos:
a) Participação de lideranças,
organizações, comunidades, famílias, crianças e adolescentes de Povos e Comunidades
Tradicionais nos espaços de planejamento, nos processos de tomada de decisões e
na fiscalização dos serviços, respeitando a igualdade de gênero;
b) Inserção de profissionais
de quaisquer áreas de formação com conhecimento das tradições e costumes dos
Povos e Comunidades Tradicionais ou de profissionais oriundos de Povos e
Comunidades Tradicionais na equipe técnica das instituições do Sistema de
Garantia de Direitos, especialmente nas cidades e regiões com a presença de
Povos e Comunidades Tradicionais;
c) Disponibilização de
informações aos Povos e Comunidades Tradicionais sobre os serviços e os
direitos de crianças e adolescentes em linguagem culturalmente acessível e,
preferencialmente, nas línguas étnicas;
d) Formação permanente aos
profissionais do Sistema de Garantia de Direitos sobre as histórias, as
culturas e os direitos de Povos e Comunidades Tradicionais, assim como a forma
de aplicação intercultural dos direitos das crianças e dos adolescentes, de
modo a assegurar a melhoria do atendimento e o respeito à diversidade cultural,
particularmente na matriz curricular das Escolas de Conselhos;
e) Fluxos operacionais
sistêmicos de atendimento do Sistema de Garantia de Direitos que dialoguem com
as instâncias internas de Povos e Comunidades Tradicionais, reconhecendo suas
práticas tradicionais;
f) Medidas específicas que
contemplem as realidades e os direitos de crianças e adolescentes pertencentes
aos Povos e Comunidades Tradicionais nos planos setoriais e intersetoriais a
serem elaborados ou atualizados nas três esferas de governo;
g) Aprimoramento da coleta de
dados cadastrais do Sistema de Garantia de Direitos voltados para Crianças e
Adolescentes de Povos e Comunidades Tradicionais do quesito cor ou raça, de
acordo com as categorias do IBGE, e inclusão do quesito etnia.
Art. 4º Orienta-se que os
serviços ofertados às crianças e aos adolescentes de Povos e Comunidades
Tradicionais que residem, temporária ou permanentemente, no espaço urbano e em
situação de itinerância, dêem especial atenção aos seus direitos, prezando pelo
reconhecimento do direito à autodenominação e pelo enfrentamento de tratamentos
discriminatórios.
Parágrafo Único. São
consideradas crianças e adolescentes em situação de itinerância aquelas
pertencentes aos Povos e Comunidades Tradicionais que vivem em tal condição por
motivos culturais, políticos, econômicos e de saúde.
Art. 5º Esta resolução entra
em vigor na data de sua publicação.
FABIO JOSE GARCIA PAES
Presidente
do Conselho