Prezadas Senhoras Deputadas,
Nós, mulheres de etnia romani
(ciganas), fundadoras da Associação Internacional Maylê Sara Kalí
(AMSK/Brasil), organização que atua na promoção e defesa dos direitos dos povos
romani (ciganos), vimos, por meio desta, expressar nosso respeito e profunda
gratidão pelo posicionamento de Vossa Excelência no processo em curso em nosso
País com relação ao impeachment da
Presidenta Dilma Rousseff.
Neste momento, assistimos à
insurgência de uma onda conservadora e reacionária em nosso País – e não apenas
nele –, e que ameaça direitos conquistados com muita luta. Nossas lutas, e de
muitas outras mulheres que nos antecederam. Como mulheres, cidadãs brasileiras
de etnia romani (cigana), nos sentimos profundamente atingidas pelas mais
diversas expressões de sexismo, discriminação e violência de gênero
direcionadas à Presidenta Dilma e a todas às corajosas deputadas que votarão NÃO
com relação à admissibilidade do processo de impeachment.
Defendemos
veementemente a liberdade de expressão e o debate de ideias. A existência de
diferentes correntes ideológicas em um mesmo cenário social e político faz
parte da essência dos regimes democráticos. Porém, o que vemos neste momento há
muito deixou de ser um debate que respeita os preceitos democráticos. O que
vemos é o surgimento de um projeto político ideológico excludente, conservador
e baseado em um discurso de ódio com elementos sexistas, racistas e
homofóbicos. O que vemos é o sistemático desrespeito aos direitos humanos, e
uma tentativa de fragilizar conquistas que considerávamos já consolidadas.
Os discursos
de ódio são um mecanismo constante de propagação de ideologias que ao longo da
história promoveram forte perseguição aos povos romani (ciganos). O exemplo
mais evidente disso é o efeito provocado pela ideologia nazista sobre inúmeras
famílias romani (ciganas) na Europa.
No período
de 1939 a 1945, homens e mulheres romani (ciganos) foram sistematicamente
perseguidos, presos, enviados a campos de concentração, utilizados em
“experimentos médicos” e assassinados. Após o fim da II Guerra Mundial, estes
eventos foram muito pouco divulgados e a morte de cerca de 500 mil homens e
mulheres romani (ciganos) durante o holocausto foi praticamente esquecida. Este
é considerado o maior genocídio da população romani (cigana) na Europa em toda
a sua história, tendo provocado o extermínio de três quartos da população
romani (cigana) europeia. Para muitos grupos romani (ciganos) este período é denominado
Porajmos – palavra em romanês que
significa a Grande Devoração.
Esta é uma
história recente, que motivou a vinda de muitas famílias romani (ciganas) para
o Brasil e que permanece muito presente em nossa memória. E é em honra e
respeito aos nossos antepassados, à todas as mulheres, homens e crianças de
etnia romani (cigana) cuja perseguição e assassinato encontraram justificativa
em discursos de ódio e ideologias racistas,
que nos posicionamos em defesa da democracia e contra qualquer tentativa
de promover retrocessos no que diz respeito aos direitos humanos, ao respeito à
diferença e às medidas adotadas em termos de políticas públicas e legislação
para o enfrentamento ao racismo, ao sexismo e à homofobia.
Gratas por
sua força, por sua coragem e por seu verdadeiro compromisso com a democracia,
afirmamos: o posicionamento de Vossa Excelência nos representa.
Nos
manteremos na luta, lado a lado, nesta caminhada.
Com carinho,
respeito e admiração, nos despedimos.
Atenciosamente,
As mulheres
da AMSK/Brasil.
Elisa Costa
Presidenta da AMSK/Brasil