CONTRIBUTOS
CIGANOS PARA
O
POVOAMENTO DO BRASIL
(SÉCULOS
XVI-XIX)*
Por Elisa
Maria Lopes da Costa
Pags 159
e 160
Refira-se, ainda que de passagem,
a existência de notícias de crimes punidos com a pena de degredo para o Brasil
datando da primeira metade do século XVI. Concretizando, no ano de 1549, cinco
homens ciganos viram ser-lhes imposto aquele castigo por um qüinqüênio, devido
a resistência à autoridade, furto e ferimentos, ao passo que um outro deveria ser
degredado para a mesma colônia por um período de três anos. Mas, todos eles
mereceram perdão régio, que se consubstanciou na saída do Reino em vez da
aplicação do degredo (11).
É usual ver considerado João de
Torres (e a respectiva família) como o mais antigo cigano degredado do Reino
presente na Colônia, porém, embora a data da ‘Carta de Perdão’ (que lhe comutou
a pena para o Brasil) seja de 7 de Abril de 1574, por andar perdido o registro
de embarque, ou qualquer documento confirmando a sua presença no território, há
que colocar tal afirmação sob reserva(12). Na verdade, estando encarcerado
na cadeia do Limoeiro, João de Torres, que fora condenado a cinco anos nas
galés por se deslocar, com freqüência, entre Montalvão (no Alentejo) e Castela
e estar impedido pela legislação de o fazer, argumentou ser-lhe impossível
cumprir aquela pena por ser um homem fraco e quebrado. O monarca anuiu
enviando-o, de acordo com o que lhe havia sido solicitado, no mesmo tempo, para
o território brasileiro com autorização para ir com a sua mulher (que fora
expulsa do Reino) e com os filhos.
Aliás, a mesma dúvida também
atinge João Giciano “natural do Reino da Grécia”, com mulher e catorze filhos,
acusado, a par de outros três casais e diversos estrangeiros, do roubo de 2
burros na vila de Alcácer, pelo que sofreu condenação a açoites e a dois anos
de galés. Contando 75 anos de idade, era aleijado da mão esquerda o que o
impedia de remar, pedindo por isso ao rei a comutação da sentença. O soberano
mandou-o examinar pelo físico e pelo médico, após o que, em Janeiro de 1562, lhe
concedeu a comutação por três ou quatro anos (o texto é equívoco) para o Brasil
(13).
A terra Brasilis
contou com população cigana quer na Baía-de-to-dos-os Santos quer em Pernambuco
atendendo a informação documental inquisitorial (embora a introdução do Tribunal
da Inquisição só fosse determinada por carta régia de 22 de Julho de 1624) da
última década quinhentista. Com forte dominante feminina e, sempre com
proveniência metropolitana (mesmo nos casos em que houve referência explícita a
serem oriundos de Espanha) na sua maioria o motivo da ida está omisso, tal como
as datas de chegada. Algumas mercadejavam roupas usadas e há até um casal que
exerceu, durante certo tempo, funções de carcereiro (14). De entre as testemunhas ouvidas durante a «Primeira Visitação do Santo
Ofício» (na Baía), em Agosto de 1591, surge uma cigana de nome Angelina de quem
nada mais se sabe. Sucede que este nome é o mesmo da mulher do citado João de
Torres mas, sendo pouco comum entre a onomástica cigana, fica a dúvida se
tratará da mesma pessoa, uma vez que a ser assim seria um elemento de confirmação
da presença do casal na Colônia, contudo, até ser conhecida nova documentação a
questão permanece em aberto (15).
11 * Veja-se Isabel Drumond Braga,
“Para o estudo da minoria cigana no Portugal Quinhentista”, in Brigantia -
Revista de Cultura, Bragança, vol. XII, nº 4, Outubro Dezembro 1992, “Quadro V
- Delitos e Perdões”, p. 36.
12 * Cf. Francisco Adolfo Coelho, Ibidem,
doc. nº 5, p. 232.
13 - Cf. Pedro d’Azevedo, “Os Ciganos
em Portugal no século XVI e XVII”, in Archivo historico portuguez, Lisboa, vol.
VI, 1908, doc. nº VI, p. 468.
14 * Cf. Elisa Maria Lopes da Costa,
“Diáspora cigana para o Brasil nos quinhentos anos do
seu
achamento”, in Al-Ulyã Revista do Arquivo Histórico Municipal de Loulé, Loulé,
nº 9, 2003, pp. 33-38.
15 * Cf. Idem, O Povo Cigano entre
Portugal e terras de além-mar (séculos XVI-XIX), pp.
75-76.