UM
BREVE RELATO
BRASIL ROMANI
Segundo Coelho – 1995, não há
dúvida alguma que os primeiros ciganos que desembarcaram no Brasil foram
oriundos de Portugal. Não vieram voluntariamente, mas deportados daquele país. Datado
de 1574 o decreto enviava para as galés
o cigano João de Torres e sua mulher Angelina que foram inicialmente presos
apenas pelo fato de serem ciganos. João Torres foi condenado às galés e
Angelina deveria deixar o país dentro de dez dias. Alegando, no entanto, que
“era fraco e quebrado, e não era para servir em coisa de mar e muito pobre, que
não tinha nada de seu”, João pediu para poder sair do Reino, ou então que
pudesse ir para o Brasil para sempre. O pedido logo foi deferido e a pena foi
mudada para “cinco anos para o Brasil, onde levará sua mulher e filhos”.
Coelho, F. A., Os ciganos de Portugal; com um estudo
sobre o calão, Lisboa, Dom Quixote, 1995. (Original: 1892). p. 199-200.
A
deportação de ciganos portugueses para o Brasil, ao que tudo indica, só começou
mesmo a partir de 1686. Dois documentos portugueses daquele ano informam que os
ciganos deviam ser degredados também para o Maranhão. Antes eram degredados
somente para as colônias africanas. A escolha da Coroa pela capitania do
Maranhão visava pelo menos a dois objetivos. Primeiro, colocar os ciganos
"bastante afastados das áreas brasileiras de mineração e de agricultura
assim como longes dos principais portos da colônia, do Rio de Janeiro a
Salvador."
Couto, C., “Presença cigana na colonização de
Angola”, Studia, Lisboa, no. 36, 1973, pp. 107-115. Donovan 1992. p. 38.
Em
geral, nas posturas municipais que tratam de ciganos, em primeiro lugar, eles
são associados às "pessoas desconhecidas e suspeitas."
Em seguida, são definidos como sendo "os que são por taes havidos",
ou seja, reconhecidos socialmente como ciganos. Reconhecimento dado porque eles
"costumam a fazer freqüentes trocas e compras de animais, e vendas de
escravos, e não são moradores no Termo, ou não há pessoa capaz, que os conheça,
e abone." Assim, eram relacionados, a priori, ao comércio
de mercadorias roubadas (escravos, animais e objetos variados), a não ser que
houvesse alguém que afiançasse sua honestidade. A idéia que orientava este
prejulgamento era a de que apenas seria confiável o indivíduo com residência
fixa. Pois o nômade não tinha morador que o conhecesse e o abonasse.
O historiador traz na mente um
cigano típico (um protótipo), mas que necessita ser desmontado pelas evidências
de grupos ciganos na diversidade de situações em que se encontram. Se for
sensível, compreenderá que, antes de tudo, deve desconstruir o modelo sobre os
genericamente chamados ciganos. Uma história de ciganos deve ser feita de muitas
exceções, impossibilidades, contradições, incongruências, contra-sensos. Essa
perspectiva tem um cigano que extrapola a coerência que a escrita tradicional
do historiador exige; as condições espaciais e temporais individualizam muito
os ciganos; a história dos ciganos é a história de um mosaico étnico. Este
cigano - total abstração - é como a repetição infinita de um modelo ou motivo
que se realiza através de variantes ilimitadas. (
"A grande falha da literatura sobre ciganos, oficial e acadêmica, é a
supergeneralização, observadores têm sido facilmente levados a acreditar que
práticas de grupos particulares são universais, com a concomitante sugestão de
que qualquer grupo que não seguisse as mesmas práticas não seriam 'verdadeiros'
ciganos." (Acton, Th., Gypsy politics and social change, London
and Boston, Routledge & Kegan Paul, 1974. p. 3).).
O direito a diversidade e a
expressão passam invariavelmente pelo respeito a cultura e a identificação da
diversidade e para tal precisamos começar a debater para conhecer. Dentro desta
variedade, existe uma identificação lingüística muito grande e uma variação de
acordo com a implementação dos costumes do local ou país onde habitam.
Assim vemos segundo a (“Convenção para a grafia dos nomes
tribais”, Revista de Antropologia,
São Paulo, vol. 2, nº 2, 1954, p. 152).
Rom, substantivo singular masculino, significa
homem e, em determinados contextos, marido; plural Roma; feminino Romni
e Romnia. O adjetivo romani é empregado tanto para a língua
quanto para a cultura. Apesar disto, como fazem muitos outros ciganólogos, a
seguir sempre escreveremos "os Rom" e não "os Roma", da
mesma forma "os Calon", "os Sinti", etc. Na falta de um
acordo formal sobre a grafia das autodenominações ciganas, aplicou-se também a
estas a "Convenção para grafia dos nomes tribais", que "se
escreverão com letra maiúscula, facultando-se o uso de minúscula no seu emprego
adjetival", e "os nomes tribais não terão flexão portuguesa de número
ou gênero, quer no uso substantival, quer no adjetival"
Dentro da realidade hoje no
Brasil, podemos afirmar que: Diégues Junior, M., Imigração, urbanização, industrialização, Rio
de Janeiro, 1964, pp. 26-28 21. Vilas-Boas da
Mota, A.. “Os ciganos do Brasil”, Correio da Unesco, ano 12, 1984, p.
32; “Os ciganos, uma minoria discriminada”, Revista Brasileira de Política
Internacional, ano XXIX, vol. 115/116, 1986, p.32. Este estudo deve ser valorizado no
contesto do entendimento e do direito respeitoso a diversidade da cultura,
inclusive entre os próprios ciganos.
Nenhum cigano conhece todos os detalhes
da identidade em que está inserido. Tal como não conhece todo o espaço cultural que o comporta, não sabendo, pois,
ler todo o seu "mapa cultural". Toda cultura, afinal, oferece uma
margem de manobra para os seus membros. Há aspectos da identidade cigana
compartilhados por todos os ciganos, outros que são particulares de cada
subgrupo e ainda outros selecionados pelo indivíduo num leque de opções. Cada
cigano é portador de um conjunto singular de elementos dessa identidade,
embora, não haja uma noção de individualidade tal como no mundo ocidental. Toda
história dos ciganos é, na verdade, uma viagem nas línguas, nas estéticas, nas
políticas antivagabundos e antiartistas, nas religiões, nas concepções de
mundo, com os quais vários grupos ciganos, sucessiva e contraditoriamente,
tiveram contato. Nisso a universalidade dos ciganos se manifesta.
Nesta
história dos ciganos a diferença não pode se dissipar. Para ser honesta, ela
deve mostrar muitas precauções para não condensar num padrão as
particularidades de grupos variados (em momentos e espaços distintos), porque
assim o discurso perderia informação. Dito isto, ressalta-se que as diferenças
e a diversidade entre os ciganos não impedia que houvesse solidariedade. Os
ciganos faziam da própria fluidez, da flexibilidade, de sua identidade um fator
de fortalecimento desta solidariedade. Pois rearranjavam sua identidade de
acordo com suas necessidades, por meio de alianças matrimoniais ou pelas festas
que envolviam comunidades distintas. Além disto, colocadas em oposição aos
não-ciganos, as várias comunidades se sentiam irmanadas. As narrativas
históricas sobre os ciganos, muitas vezes, perdem-se pela generalização
exagerada (fala-se dos "ciganos" como tendo apenas uma única
cultura); apenas umas poucas linhas sustentam o caráter diferencial de cada
comunidade cigana estudada. E quando os autores se cansam das individualidades,
esboçam a unidade (frágil e talvez inexistente) de múltiplos ciganos. Tanto o
historiador quanto o ciganólogo escrevem como se todos os ciganos fossem apenas
um só (o "cigano típico" ou o "cigano genérico").
Quase nada sabemos sobre os ciganos
brasileiros na atualidade. As pesquisas até agora realizadas no Brasil provam a
existência de ciganos de pelo menos dois grupos diferentes: os Calon que
migraram para o país, voluntária- ou compulsoriamente, já a partir do Século
XVI, e os Rom que, ao que tudo indica, migraram para o Brasil somente a
partir de meados do Século XIX. Nenhuma publicação trata de ciganos Sinti,
mas que com certeza também devem ter migrado para o Brasil, junto com os
colonos alemães e italianos, a partir do final do Século XIX. Segundo dados
oficiais, de 1819 a 1959 migraram para o Brasil 5,3 milhões de europeus, dos
quais 1,7 milhão portugueses, 1,6 milhão italianos, 694 mil espanhois, 257 mil
alemães e 125 mil russos. No desembarque registrava-se apenas a nacionalidade
do imigrante, e não a sua identidade étnica. É mais do que provável que no meio
dos quase dois milhões de imigrantes italianos e alemães também tenham vindo
ciganos Sinti, principalmente durante e após a II Guerra Mundial.
Segundo as referencias de Vilas
Boas da Mota, os Rom brasileiros
pertencem aos seguintes sub-grupos: “Kalderash,
que se consideram nobres e, por conseguinte, os verdadeiros guardiães da identidade
cultural cigana; os Macwaia,
muito propensos à sedentarização ... e, por isto mesmo, inclinados à perda da
identidade étnica... ; os Rudari,
provenientes sobretudo da Romênia, localizam-se em São Paulo e no Rio de
Janeiro e com bom nível econômico-financeiro; os Horahané, oriundos da Turquia e da Grécia, são renomados
vendedores ambulantes; os Lovara,
em franco recesso cultural, fazem-se passar por emigrantes italianos”. Até o
presente momento não são conhecidos as especificidade dos Calons – grupo não
estudado.
***
(o trabalho de Cláudio Iovanovitch, que vem percorrendo as escolas municipais do estado do Paraná - sucesso absoluto.)
Sabemos que algumas já mudaram e muitos autores usaram de um certo olhar diferenciado, influenciados por representações problemáticas de ciganos ou falsos ciganos. O certo é que para além de estudos e concepções, o Brasil e os assim chamados ciganos, começaram a escrever sua própria história e isso não tem mais volta. Esse processo não para mais e nós da AMSK/Brasil, temos a certeza de que tudo isso vai nos trazer muita alegria e muito trabalho também.
Mais e mais cidadãos que haviam se afastado dessas confusões, estão voltando e estão compreendendo que se a discussão existe, existe um lugar e que esse lugar precisa ser preenchido de fato e de direito, o que nos leva a crer que o rumo da prosa será outra.
Neste entendimento, um novo olhar nasce, a partir de 2012 e vem caminhando de forma unida a ponto de mudar o rumo da marê. Enfim a comunidade, a população, a nação rromá acorda para a possibilidade de realmente ser a protagonista da sua história, retirando o estereótipo nocivo e empobrecido de idéias e concepções reais que ainda hoje frequenta muitos cargos ligados ao governo, influenciando negativamente a verdadeira face dos povos ciganos no Brasil. Opré romalê.
AMSK/Brasil