O MEIO AMBIENTE DOS CIGANOS DE
APARECIDA DE GOIÂNIA (GO)
(The environment of Gypsies of Aparecida de Goiânia-GO)
Elza Kioko Nakayama Nenoki do
Couto - (Universidade Federal de Goiás – UFG)
Doutorado e Mestrado em
Linguística na PUC-SP. Professora de Linguística da UFG. Fundadora do NELIM –
Núcleo de Estudos de Ecolinguística e Imaginário, na UFG onde atua como docente
na Graduação e na Pós-Graduação.
ABSTRACT
The purpose of this paper is to report and comment on a field work I
have been conducting among the Kalderash Gypsies of Aparecida de Goiânia (GO)
since 2009, emphasizing their natural and social environment from an
ecolinguistic perspective. This group comprises roughly 250 people, converted to
Evangelic religion. They are semi-nomadic and bilingual in Portuguese and
Romanès, the local dial ect of Romani, the general language of Gypies
worldwide. The spatial distribution of the families in a single neighborhood
facilitates a strong interaction among themselves. This includes visits, taking
part in festivities, church going and so on. My thesis is that this spatial
convivial favors the survival of their ancestral language and their ways of
life. It is this sharing of the same natural environment that leads to at least
a partial maintenance of the mental and social environment because they are interdependent.
Keywords: social and physical environment, Ecolinguistics, Kalderash Gypsy.
Ecolinguística
Cadernos de Linguagem e Sociedade, 14 (1), 2013
Elza Kioko Nakayama Nenoki do Couto
Pags 219 á 222.
Para começar a falar sobre a ecolinguística, vale discorrer sobre o
prefixo ‘eco’.
Um dos significados de ‘eco’,
segundo o dicionário Aurélio, é ‘meio ambiente’. Além disso, EKOS é
plurisignificativo, pois passa pelo grego oikos, casa, habitação, bens,
família. Como curiosidade, temos em tupi-guarani ekó‘ vida’ e em latim echo, que corresponde a tudo que tem
ressonância, reverbera, logo que será ouvido. O importante é que o prefixo
‘eco-‘ nos lembra que a palavra ‘ecolinguística’ tem a ver com a ecologia
biológica. Assim, se pensarmos no prefixo ‘eco’ como meio ambiente e tudo que
está relacionado a esse meio ambiente, e linguística como sendo o estudo da
linguagem, estudo de como os membros de uma comunidade comunicam entre si,
tanto oral como gestualmente, temos a ecolinguistica, uma nova maneira de ver e
estudar os fenômenos da linguagem, que, segundo Haugen (1972) é o estudo das
interações entre língua e seu meio ambiente. Ora, o meio ambiente aqui é tudo
que está no contexto da língua, tanto dentro quanto fora dela (o mundo, o
território, o povo que a fala etc.).
Sabe-se que a relação entre língua e mundo
já era estudada pelos gregos. No Crátilo, Platão, põe Hermógenes defendendo a
tese de que a relação entre língua e mundo é natural, que a língua reflete o mundo,
por exemplo, só existe a palavra ‘árvore’ porque existe a coisa árvore, não o
contrário. Língua está ligada a mundo de modo natural. A palavra é um ser
natural. O personagem Crátilo defende a tese de que a relação entre os dois é
arbitrária, convencional. Língua está ligada a território pelo povo.
O assunto foi retomado ao longo de toda a história, tanto por filósofos quanto por linguistas. Em meados do
século XX, o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein
defendeu a tese de Hermógenes (a língua
é um reflexo do mundo) no seu famoso Tractatus logico-philosophicus. Nota-se
aqui que o importante é a língua como sistema para eu falar do mundo (sintaxe,
morfologia, fonologia etc.). Pouco depois, Wittgenstein (1968) reviu essa
posição e passou a defender a tese de que a língua é um jogo, isto é, ela
existe basicamente para a interação entre as pessoas (para elas jogarem
verbalmente, comunicarem-se). Para a ecolinguística a língua também é vista
como interação, comunicação. Vários linguistas têm falado em “língua e meio
ambiente” desde o início do século passado, tais como Edward Sapir (certamen te o
primeiro), Einar Haugen (tido como pai da ecolinguística), o psicolinguista
Kurt Salzinger e o linguista francês
Claude Hagège, no livro L’homme de paroles (Paris: Fayard, 1985, p. 328). Nessa obra, ele disse que «uma
futura ecolinguística deveria estudar o modo pelo qual são integradas na língua
referências ‘naturais’ culturalizadas, tais como pontos cardeais,
particularidades geográficas, habitações humanas, elementos cósmicos” (Hagège 1985:
328). Como uma população dá nomes às coisas de seu meio, de seu entorno. Vê-se
que, para ele, a ecolinguística deveria estudar as relações entre língua e
mundo natural.
Após vários ensaios menores sobre
assuntos ecolinguísticos, no ano de 1993 surgiram dois livros de introdução à
ecolinguística. O primeiro é de Alwin Fill: Ökologie: Eine Einführung.
([Ecolinguística: uma introdução]. Tübingen: Gunter Narr Verlag, 1993),
infelizmente, disponível só em alemão. Há textos menores do autor em inglês na internet.
Alwin Fill, da Universidade de Graz, Áustria, é considerado o guru atual da
ecolinguística. O segundo é de Adam Makkai, cujo livro se intitula Ecolinguistics: ¿Toward a new **paradigm** for the science
of language? (Londres:
Pinter Publishers, 1993). Antes desse livro, Makkai já havia publicado textos
menores, como “A pragmo-ecological view of linguistic structure and language
universals” (Language sciences, 1972, p. 27.9-23). Adam Makkai , linguista da Universidade
de Illinois at Urbana-Champaign, atualmente mora no Havai (aposentado).
No Brasil, quem primeiro falou em
Ecolinguística foi o especialista em linguística aplicada Francisco Gomes de
Matos, no texto em inglês “A case for ecolinguistic identity” (XXII.
Internationale Deutschlehrertagung . Lucerna, Suíça, 30/7-4/8/2001) e em
palestras e entrevistas em jornais. Nesse texto, Matos fala de língua como
símbolo de identidade dos membros da população. A propósito da relação língua-identidade,
o cigano europeu S. Dudrak disse o seguinte:
Diga-me, cara, onde estão nossa
terra, nossas montanhas, nossos rios, nossos campos e nossos bosques? Onde está nosso país e onde estão nossas sepulturas? – Nós os temos
nas palavras, as palavras de nossa língua .
(Courtiade, Marcel. 1985. “Aux
origines des mots et des parlers rom”, Études tsiganes n. 1, p.16).
Nessa perspectiva, pode-se
vislumbrar que a base de tudo na ecolinguística é o ecossistema fundamental da
línguaque consta de um povo (P) residindo em determinado território (T) e
falando sua própria língua (L). O povo que perde uma parte fundamental de sua
identidade como o território (T) fica fragilizado. Só lhe resta a língua para
expressar sua identidade. A médio e longo prazos pode ser aniquilado como grupo
étnico específico.
Em 2007, surge o primeiro livro
em português sobre a ecolinguistica, da autoria de Hildo Honório do Couto,
linguista, professor associado da Universidade de Brasília. Trata-se de Ecolinguística:
estudo das relações entre língua e meio ambiente (Brasília: Thesaurus Editora,
2007, 462p.). Nesse livro, Couto diz que
sob a perspectiva da
ecolinguística tem-se o ecossistema fundamental da língua, que consta de língua
(L), povo (P) e território (T) que pode ser ilustrado da seguinte maneira:
P
/ \
L-----T
A linha tracejada entre L e T
mostra que não há uma relação direta entre ambos, ela é sempre mediada por P. A
totalidade formada por P, T e L passou a ser chamada de Ecologia Fundamental da
língua (EFL), também conhecido como comunidade. Destacando a língua em seu
interior, temos que o povo e o território constituem o seu meio ambiente (MA),
ou seja, o MA fundamental da língua. O EFL pode ser representado como se vê na
figura acima, em que P se equipara à população de organismos e T ao habitat,
biótopo. Quanto a L, equivale às inter-relações que se dão entre os organismos
da mesma espécie que formam a população. É por isso que a língua pode ser
definida como sendo o modo de os membros da comunidade comunicarem entre si.
Vimos que para a ecolinguística
tudo na língua tem a ver, direta ou indiretamente, com o Ecossistema Fundamental
da Língua, melhor dizendo, com as relações entre L e P, por um lado, e entre L
e T, por outro, bem como entre L e PT juntos, que são o MA Fundamental da
Língua. Por exemplo, a distribuição dos indivíduos de P pelo espaço (T)
determina muitas das características de L. Assim, se T é de pequenas
proporções, como acontece com o T das pequenas comunidades ameríndias e
africanas, L tende a ser relativamente homogênea. Se T abrange grandes
extensões de terra, como o inglês, L tende a apresentar mais variação interna.
Por fim, o nível intelectual e tecnológico a que os membros de P chegaram
também pode afetar a natureza de L, sobretudo o vocabulário, mas não só, como,
por exemplo, a morfologia, sobretudo na de formação de palavras, que tem a ver
com ele, além de ser uma fonte de seu enriquecimento, permitindo criar novas
palavras com meios internos, mediante a reutilização (reciclagem) de recursos
já existentes.
Vale
salientar que para a ecolinguística, o povo e a língua se relacionam com o respectivo
meio ambiente, ou seja, o meio ambiente natural, o mental e o social. Na
relação língua-mundo, o meio ambiente natural da língua é constituído pelo
mundo, ou seja, os aspectos físicos do meio, aí inclusos os membros da população
como corpos físicos. Se encararmos a língua como ela é formada, armazenada e processada
no cérebro, melhor dizendo, nas conexões neurais nele existentes (as sinapses
entre dendritos e axônios), constataremos que ela com essas conexões constituem
meio ambiente mental da língua. Por fim, temos o meio ambiente social da
língua, que é constituído pelos membros da comunidade organizados socialmente,
vale dizer, a sociedade.
Quando falamos em meio ambiente
natural, mental e social da língua não estamos dizendo que a língua é uma coisa
que se encontra nesses meios (ambientes). Pelo fato de ela ser uma teia de
inter-relações ou interações, ao falarmos em meio ambiente fundamental, natural,
mental ou social da língua estamos dizendo que é aí que se dão as inter-relações
(interações) que a constituem. Podemos focalizar essas interações no meio/mundo
natural (população seu entorno), no mundo/meio mental (cérebro/mente) ou no
meio/mundo social (sociedade). Meio ambiente da língua é, portanto, onde se dão
as interações, é o locus das interações.
O MEIO AMBIENTE DOS CIGANOS DE
APARECIDA DE GOIÂNIA (GO)
(The environment of Gypsies of Aparecida de Goiânia-GO)
Elza Kioko Nakayama Nenoki do
Couto - (Universidade Federal de Goiás – UFG)
Doutorado e Mestrado em
Linguística na PUC-SP. Professora de Linguística da UFG. Fundadora do NELIM –
Núcleo de Estudos de Ecolinguística e Imaginário, na UFG onde atua como docente
na Graduação e na Pós-Graduação.