Os 10 anos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho

Nos dias 23, 24 e 25 de abril de 2014, o Ministério Público Federal (MPF) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com o apoio do Ministério da Justiça (MJ) e da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU), realizaram o Seminário Internacional 10 Anos da Convenção 169 da OIT. O evento contou com a presença de procuradores/as, pesquisadores/as, representações de movimentos sociais, estudantes e pesquisadores/as. As palestras proferidas apresentaram diferentes abordagens da Convenção 169, a partir dos olhares de procuradores, defensores públicos, desembargadores e pesquisadores do Brasil e de diferentes países da América Latina.

E o que a Convenção 169 da OIT tem a ver com os povos romani? Adotada pela OIT em 1989 e promulgada pelo Brasil por meio do Decreto 5.051, de 19 de abril de 2004, a Convenção 169 é um tratado internacional que se aplica a povos indígenas e aos chamados "povos tribais", garantindo a eles o direito de consulta e participação, e de definir suas próprias prioridades de desenvolvimento. Com todos os problemas que por ventura possamos identificar na expressão "povos tribais", o que importa para nós é sua definição. No artigo 1 da Convenção, povos tribais são definidos como: "povos (...) cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros segmentos da comunidade nacional e cuja situação seja regida, total ou parcialmente, por seus próprios costumes ou tradições ou por uma legislação ou regulações especiais". Mais adiante, ainda no artigo 1, a Convenção afirma o princípio de autoidentificação como critério fundamental para a definição dos grupos aos quais ela se aplica. Considerando esta definição, os povos romani estão cobertos pela Convenção 169 da OIT. Sendo possuidores de costumes e tradições próprios que os distinguem do conjunto da comunidade nacional, os povos romani são sujeitos beneficiários deste tratado internacional que, no Brasil, tem status de norma supraconstitucional, ou seja, é uma norma que está abaixo apenas da Constituição Federal, tendo força no ordenamento jurídico do país.

O reconhecimento dos povos romani como sujeitos de direitos da Convenção 169 é fundamental, principalmente neste momento em que há uma tendência generalizada no Brasil de violações e retrocessos com relação aos direitos das comunidades tradicionais. Ao longo de 2012 e 2013, muitas discussões foram realizadas no Brasil em torno da Convenção 169, principalmente no que diz respeito ao tema da consulta prévia aos povos indígenas e tribais, no caso de medidas legislativas ou administrativas que os afetem diretamente. Em um momento em que os chamados "grandes empreendimento" têm sido executados a partir de uma lógica de total desconsideração e desrespeito pelos territórios, tradições, valores e costumes dos povos indígenas e demais comunidades tradicionais, houve uma tentativa do Governo Federal de regulamentar o procedimento de consulta prévia, e, durante estas discussões, houve uma tendência de centrar as discussões sobre os mecanismos da consulta prévia apenas nos povos indígenas e nas comunidades quilombolas, desconsiderando os demais grupos, povos e comunidades tradicionais.

O processo de regulamentação da consulta prévia ainda está em aberto. Porém, este Seminário demonstrou que na interpretação de diferentes instâncias do Ministério Público Federal, os povos romani são, sim, sujeitos da Convenção 169 da OIT, e esta compreensão tem apoiado a atuação de alguns procuradores e procuradoras no enfrentamento ao racismo e na defesa dos direitos humanos deste grupo no Brasil. Experiências de utilização da Convenção 169 da OIT como um instrumento de proteção e defesa dos direitos dos povos romani já são uma realidade em outros países da América Latina, como na Colômbia. A palestra de Juan Carlos Gamboa Martínez, representante da Defensoria del Pueblo da Colombia, revelou a luta dos povos romani em seu país e o processo de seu reconhecimento como sujeitos de direitos e como beneficiários da Convenção 169.
Em tempos nos quais a ideia de um Brasil grande e desenvolvido aparece como uma miragem no horizonte, é fundamental voltarmos os olhos para os custos deste assim chamado "projeto de desenvolvimento". Seus ganhos são sustentáveis? O que estamos perdendo com ele? Para dizer o mínimo, estamos perdendo a possibilidade de preservar, conhecer e nos beneficiar de nossa própria diversidade cultural. Estamos perdendo a oportunidade de realizar um debate sério sobre quem se beneficia deste modelo de desenvolvimento e o que de fato esperamos e queremos, na qualidade de país democrático. Esta democracia é real? A cidadania se concretiza na vida e no cotidianos deste homens e mulheres, cidadãos brasileiros que possuem modos de vida e tradições diferenciados da sociedade majoritária? Estas não são perguntas marginais, são perguntas centrais e que devemos fazer agora.

Em tempos como estes, termos uma norma que afirma o princípio de que os povos indígenas e tribais têm o direito de definir suas próprias prioridades de desenvolvimento, e devem ser consultados com relação a elas, de maneira livre, autônoma, informada e a partir de critérios que garantam a boa-fé, é um elemento de resistência. Está escrito, está ratificado. O Estado brasileiro disse sim a estes princípios ao ratificar a Convenção 169 da OIT e tem dever legal, e também moral, de torná-los realidade. Sonho? Talvez... Mas sonhar é preciso! Que esta seja, então, a utopia que nos move.

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Da esquerda para a direita, Lucimara Cavalcanti (AMSK/Brasil), Juan Carlos Gamboa Martínez (representante da Defensoria del Pueblo da Colombia), Debora Duprat (Subprocuradora-geral da República e Coordenadora da 6a. Câmara do Ministério Público Federal), Edmundo Antonio Dias (Procurador da República atuante em Minas Gerais). 

Para assistir ao Seminário Internacional 10 Anos da Convenção 169 da OIT, acesse:
https://www.youtube.com/watch?v=DdgSkkfyp2Y