Os Ciganos não são mais europeus
do que americanos ou índios. Os Ciganos estão na Sibéria como na China. Estão
sempre no avesso do cenário.
Eles são a escória das sociedades
dominantes, seja qual for a dominação. Onde estiver o Cigano há dominação. Os
Ciganos são um revelador das desigualdades, das exclusões. E são mal
conhecidos. Atribuem-lhes hoje, como ontem, virtudes e vícios extraordinários. Lisonjeiam-lhes
a estranheza para melhor os disciplinar. A sua vulnerabilidade para melhor os
explorar, a sua fragilidade para os enfraquecer ainda mais. Os jacobinos
perguntam se eles têm alma e os padres se eles têm religião. Os revolucionários
perguntam se eles são despóticos, as feministas, se as mulheres deles são
maltratadas; os historiadores, se eles têm história, os musicólogos se eles têm
música, os higienistas se eles se lavam. Poucos povos entram no comércio com tantas
negações. O seu holocausto é negado tanto pelos estados nacional-populistas
como por Vichy, como pela Alemanha pós-nazi. Os racistas duvidam que eles sejam
uma verdadeira raça, os letrados que eles sejam capazes de escrever poesia. Os
revisionistas rejubilam porque os Ciganos partilham com os judeus o privilégio
do crime contra a humanidade. Mas a humanidade deles ainda não entrou no reconhecimento
coletivo.
AUZIAS,
Claire. Os Ciganos ou o destino selvagem dos Roms do Leste. Lisboa: Antígona, 2001,
p.39-40.