OS
CIGANOS ENTRE PERSEGUIÇÃO E EMANCIPAÇÃO
Serge
Moscovici
*
Resumo:
Toda sociedade que classifica os
homens e separa os grupos autóctones dos grupos “estrangeiros” inclui um
sistema de crenças, religiosas ou outras.
Suas representações obedecem a uma norma que dá a seus atos um sentido ético.
Esses atos não são cometidos por criminosos ou loucos, mas por pessoas que
sabem o que é permitido ou proibido, qual é a diferença entre o bem e o mal. O
ponto de partida das reflexões apresentadas é que estereótipos – categorias
discriminando grupos em brancos e negros, cristãos e judeus, franceses e
alemães, indígenas e espanhóis, ciganos e romenos, etc. – constituem, em suma,
um modo de conhecimento com a função de opor os “semelhantes” preferidos aos
“diferentes” desprezíveis, de distinguir aqueles que não são como nós.
***
Ao concluir, em 1938, sua crítica
aos Protocolos dos Sábios de Sião, Pierre Charles (2009, p. 6), jesuíta de
Louvain, lembrava que jamais os
homens faltam com a lógica. Eles são excessivamente, irresistivelmente
lógicos... a lógica trabalha por meio de tudo e só raramente se preocupa em se
adaptar ao real... Mas o ódio é como a lendária túnica de Djanira, da qual
Hércules jamais se desembaraçaria. Ódios são o tesouro que o homem guarda ferozmente
e maltrata com furor aqueles que tentam roubá-lo.5
No original: “les hommes ne
manquent jamais de logique; ils sont effroyablement, irrésistiblement logiques
... la logique travaille à travers tout, ne se souciait que rarement de
s’adapter au réel... Mais la haine est comme la tunique légendaire de Déjanire,
dont Hercule n’arrivait plus à se débarrasser. Les haines sont, hélas, le
trésor que l’homme garde férocement, et il lapide avec rage ceux qui tentent de
lui ravir”.
***
É certo
que poderíamos colocar questões sobre a pertinência dessas observações
concernentes aos judeus, uma vez que nossa pesquisa era consagrada aos ciganos.
Mas, de uma parte, há o fato de que estes foram igualmente deportados para
campos de concentração. E também há certo parentesco de destino, assim descrito
por Bauman
(1989, p.
34):
***
1909 - alemães
Um dos aspectos mais
impressionantes da diáspora judaica foi a duração do tempo histórico, contínuo,
em que “esses estrangeiros particulares” entre nós mantiveram duplamente sua
separação: da continuidade diacrônica e da autoidentidade sincrônica. Ao contrário
da maioria de outros casos de assentamentos, reações-limite à presença judaica
tiveram tempo suficiente para se institucionalizarem como rituais codificados,
com capacidade de auto-reprodução, os quais, por sua vez, reforçaram a
resiliência à separação. Outra característica peculiar da diáspora judaica foi
a universalidade do desarraigamento, uma condição que os judeus dividiram
somente com os ciganos.
No original: “A most spectacular distinctive feature of the Jewish Diaspora
was the sheer length of historical time through which “these particular
foreigners” in our midst retained their separation, both of diachronic
continuity and synchronic self-identity. Unlike in the most other cases of
resettlement therefore, boundary-clearing responses to the Jewish presence had
enough time to institutionalize as codified rituals with an in built self
reproducing capacity, which in its turn further reinforced the resilience of
the separation. Another peculiar feature of the Jewish Diaspora was the
universality of Jewish homelessness, a quality that Jewish shared only with the
Gypsies.”
AMSK/Brasil